quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Fichamento do livro “Partilha do Sensível” de RANCIÈRE, Jacques.

Universidade Federal Do Sul Da Bahia- UFSB
CC: Experiência do Sensível
Docente: Isaac Reis
Discente: Romeu Luiz
Fichamento do livro “Partilha do Sensível” de  RANCIÈRE, Jacques.

Jacques Rancière (Argel, 1940) é um filósofo francês, professor da European Graduate School de Saas-Fee e professor emérito da Universidade de Paris.
Capítulo 1, Da partilha do sensível e das ralações que estabelece entre politica e estética.
Página 15
“Denomino partilha do sensível o sistema de evidência sensível que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas.”
“Um comum partilhado e partes exclusiva.”

Página 16
“O cidadão, diz Aristóteles, é quem toma parte no fato de governar e ser governado.”
“O animal falante, diz Aristóteles, é um animal político. Mas o escravo, se compreende a linguagem não a “possui”. Os artesão, diz Platão, não podem participar das coisas comuns porque eles não tem tempo para se dedicar a outra coisa que não seja o seu trabalho.”
“A partilha do sensível faz ver quem pode tomar parte no comum em função daquilo que faz do tempo e do espaço em que atividade se exerce.”
“Ter esta ou aquela “ocupação” define competências ou incompetências para o comum.”
“Existe portanto, na base da política, uma “estética” que não tem nada a ver com a “estetização da política” própria à “era das massas”.
“É um recorte do tempo e dos espaços, do visível e do invisível, das palavras e do ruído que define ao mesmo tempo o lugar e o que está em jogo na política como forma de experiência.”

Página 17
“É a partir dessa estética primeira que se pode colocar a questão das “praticas estéticas”.”
“As práticas estéticas são “maneiras de fazer” que intervêm na distribuição geral das maneiras de fazer e nas suas relações com maneiras de ser e formas de visibilidade.”
“Do ponto de vista Platônico, a cena do teatro, que é simultaneamente espaço de uma atividade pública e lugar de exibição dos “fantasmas”, embaralha a partilha das identidades, atividades e espaços.”
“O mesmo ocorre com a escrita, circulando por toda parte, sem saber a quem deve ou não falar.”
“A escrita destrói todo fundamento legitimo da circulação da palavra.”
“Platão destaca dois grandes modelos, duas grandes formas de existência e de efetividade sensível da palavra: o teatro e a escrita.”

Página 18
“Esse regime estético da política é propriamente a democracia, o regime das assembleias de artesãos, das leis escritas intangíveis e da instituição teatral.”
“Platão destaca três maneiras a partir das quais práticas da palavra e do corpo propõem figuras de comunidade.”
“Identifica a superfície dos signos mudos: superfície dos signos que são, diz ele, como pinturas. E o espaço do movimento dos corpos que se divide por sua vez em dois modelos antagônicos.”
“O movimento dos simulacros da cena, De outro, o movimento autêntico, o movimento próprio dos corpos comunitários.”
“Essas formas definem a maneira como obras ou performances “fazem política”, quaisquer que sejam as intenções que as reagem, os tipos de inserção social dos artistas ou o modo como as formas artísticas refletem estruturas ou movimentos sociais.”

Página 20
“Uma politicidade sensível é assim, de saída atribuída às grandes formas de partilha estética como o teatro, a página ou o coro.”
“Repropõem seus serviços em épocas e contextos muito diferentes.”

Página 21
“O discurso apresenta a revolução pictural abstrata como a descoberta pela pintura de seu “médium” próprio: a superfície bidimensional.”
“Escrita e pintura eram para Platão superfícies equivalentes de signos mudos, privados do sopro que anima e transporta a palavra viva.”
“O plano, nessa lógica, não se opõe ao profundo, no sentido do tridimensional. Ele se opõe ao “vivo”.”

Página 22
“É esta relação que está em questão na pretensa distinção do bidimensional e do tridimensional como “próprios” a esta ou aquela arte.”
“É na superfície plana da pagina, na mudança de função das “imagens” da literatura ou na mudança do discurso sobre o quadro, mas também nos entrelaces da tipografia, do cartaz e das artes decorativas, que se prepara uma boa parte da “revolução antirrepresentativa” da pintura.”
“Sua planaridade tem ligação com a da pagina, do cartaz ou da tapeçaria é um interface.”
“E sua “pureza” antirrepresentativa inscreve-se num contexto de entrelaçamento da arte pura e da arte aplicada, que lhe confere de saída uma significação política.”

Página 23
“E não é um ideal teatral do novo homem que sela a aliança momentânea etre politicas e artistas revolucionários.”
“É, antes, na interface criada entre “suportes” diferentes, nos laços tecidos entre o poema e sua tipografia ou ilustração, entre teatro e seus decoradores ou grafistas, entre o objeto decorativo e o poema, que se forma essa “novidade” que vai ligar o artista, que abole a figuração, ao revolucionário, inventor da vida novo.”
“Essa interface é politica porque revoga a dupla politica inerente a logica representativa.”
“Por outro, sua organização hierárquica, particularmente o primado da palavra/ação viva sobre a imagem pintada, era análogo à ordem político-social.”
“É assim que o “plano” da superfície dos signos pintados, essa forma de partilha igualitária do sensível estigmatizada por Platão, intervém ao mesmo tempo com principio da revolução “formal de uma arte e principio de re-partição politica da experiência comum.”

Página 24
“Do mesmo modo se poderia refletir sobre outras grandes formas, a do coro e a do teatro.”
“Uma história política estética, entendida nesse sentido, deve levar em conta a maneira como essas grandes formas se opõem ou se confudem,”
“A política ai se representa como relação entre a cena e a sala, significação do corpo do ator, jogos da proximidade ou da distância.”
“Tomemos o exemplo da cena trágica. Para Platão, ela é portadora da síndrome democrática ao mesmo tempo que do poder da ilusão.”

Página 25
“Aristóteles, mesmo que não se tenha proposto a isso, redefine sua politicidade. E, no sistema clássico da representação, a cena trágica será a cena de visibilidade de um mundo em ordem, governado pela hierarquia dos temas e a adaptação, a esta hierarquia, das situações e maneiras de falar.”

Página 26
“O importante é ser neste nível, do recorte sensível do comum da comunidade, das formas de sua visibilidade e de sua disposição, que se coloca a questão da relação estética/política.”
“A partir daí pode-se pensar as intervenções políticas dos artistas, desde as formas literárias românticas do deciframento da sociedade até os modos contemporâneos da performance e da instalação.”
“É a autonomia de que podem gozar ou a subversão que podem se atribuir repousam sobre a mesma base.”

Capítulo 2-Dos regimes da arte e do pouco interesse da noção de modernidade
Página 27
“Não creio que as noções de modernidade e de vanguarda tenham sido bastante esclarecedoras para se pensar as novas formas de arte desde o século passado, nem as relações estético com o político.”
“Uma coisa é a historicidade própria a um regime das artes em geral. Outra, são as decisões de ruptura ou antecipação que se operam no interior desse regime.”

Página 28
“Uma digressão se impõe aqui para esclarecer essa noção e situar o problema. No que diz respeito ao que chamamos arte, pode-se com efeito distinguir, na tradição ocidental, três grandes regimes de identificação.”
“Primeiro lugar, há o que proponho chamar um regime ético das imagens. Neste regime, “a arte”não é identificada enquanto tal, mas se encontra subsumida na questão das imagens.”
“Há um tipo de seres, as imagens, que é objeto de uma dupla questão: quanto à sua origem e, por conseguinte, ao seu teor de verdade; e quanto ao seu destino: os usos que têm e os efeitos que induzem.”
“Para Platão, a arte não existe, apenas existem artes, maneiras de fazer.”
“E é entre elas que ele traça a linha divisória: existem artes verdadeiras, isto é, saberes fundados na imitação de um modelo com fins definidos, e simulacros de arte que imitam simples aparências."

Página 29
“Trata-se nesse regime, de saber no que o modo de ser das imagens, concerne ao ethos, à maneira de ser dos indivíduos e das coletividades, E essa questão impede a “arte” de se individualizar enquanto tal.”
ETHOS: costumes de um povo, cultura

Página 30
“Do regime ético das imagens se separa o regime poético, ou representativo das artes. Este identifica o fato da arte ou antes, das artes.”
“O princípio mimético, no fundo, não é um princípio normativo que diz que a arte deve faer cópias parecidas com seus modelos. É, antes, um principio pragmático que isola, no domínio geral das artes.”
“Nisto consiste a grande operação efetuada pela elaboração aristotélica da mímesis e pelo privilégio dado à ação trágica.”

Página 31
“O princípio de delimitação externa de um domínio consistente de imitações é, portanto, ao mesmo tempo, um princípio normativo de inclusão.”
“Denomino esse regime poético no sentido em que identifica as artes que a idade clássica chamará de “belas-artes” no interior de uma classificação de maneiras de fazer, e consequentemente define maneiras de fazer e de apreciar imitações benfeitas.”
“Não é um procedimento artístico, mas um regime de visibilidade das artes.”

Página 32
“A esse regime representativo, contrapõe-se o regime das artes que denomino estético. Estético, porque a identificação da arte, nele, não se faz mais por uma distinção no interior das maneiras de fazer, mas pela distinção de um modo de ser sensível próprio aos produtos de arte.”
“No regime estético das artes, as coisas da arte são identificadas por pertencerem a um regime específico do sensível.”
“Esse sensível, subtraído a suas conexões ordinárias, é habitado por uma potência heterogênea, a potência de uma pensamento que se tornou ele próprio estranho a si mesmo: produto idêntico ao não-produto.”

Página 33
“Essa ideia de um sensível tornado estranho a si mesmo, sede de um pensamento que tornou ele próprio estranho a si mesmo, é o núcleo invariável das identificações da arte que configuram originalmente o pensamento estético.”
“Ele percorre igualmente as auto definições das artes próprias â idade moderna: ideia proustiana do livro inteiramente calculado e absolutamente subtraído à vontade.”
“É preciso, porém assinalar o cerne do problema. O regime estético das artes é aquele que propriamente identifica a arte no singular e desobriga essa arte de toda e qualquer regra especifica, de toda hierarquia de temas, gêneros e artes.”

Página 34
“Ele afirma a absoluta singularidade da arte e destrói ao mesmo tempo todo critério pragmático dessa singularidade. Funda, a uma só vez, a autonomia da arte e a identidade de suas formas com as formas pelas quais a vida se forma a si mesma.”
“ O estado estético shilleriano, que e o primeiro, e em certo sentido, inultrapassável, manifesto desse regime, marca bem essa identidade fundamental dos contrários.”
“Em suas diferentes versões, “modernidade” é o conceito que se empenha em ocultara especificidade desse regime das artes e o próprio sentido da especificidade dos regimes da arte.”

Página 35
“Quando os arautos dessa modernidade viram os lugares onde se exibia este bem comportado destino da modernidade invadidos por toda espécie de objetos, máquinas e dispositivos não identificados, começaram a denunciar a “tradição do novo”, uma vontade de inovação que reduziria a modernidade artística ao vazio de sua autoproclamação.”
“O pulo para fora do mimesis não é em absoluto uma recusa da figuração.”
“O regime estético das artes não opõe o antigo e o moderno. Opõe, mais profundamente, dois regimes de historicidade. É no interior do regime mimético que o antigo se opõe ao moderno.”
“No regime estético da arte, o futuro da arte, sua distância do presente da não arte, não cessa de colocar em cena o passado.”

Página 36
“Aqueles que exaltam ou denunciam a “tradição do novo” de fato esquecem que esta tem por exato complemento a “novidade da tradição”. O regime estético das artes não começou com a decisões de ruptura artística.”
“O regime estético das artes é antes de tudo um novo regime da relação com o antigo.”

Página 37
“Quando os futuristas ou os construtivistas proclamam o fim da arte e a identificação de suas praticas àqueles que edificam, ritmam ou decoram os espaços e tempos da vida em comum, eles propõem um fim da arte como identificação com a vida da comunidade, que é tributária da releitura shcilleriana e romântica da arte grega como modo de vida de uma comunidade.”
“A ideia de modernidade é um noção equivoca que gostaria de produzir um corte na configuração complexa do regime estético das artes, reter as formas de ruptura, os gestos iconoclastas etc,.”
“A noção de modernidade parece, assim, como inventada de propósito para confundir a inteligência das transformações da arte e de suas relações com as outras esferas da experiência coletiva.”

Página 38
“Deduzam-se as duas grandes variantes do discurso sobre a “modernidade”. A primeira quer uma modernidade simplesmente identificada à autonomia da arte, uma revolução “antimimética” da arte idêntica à conquista da forma pura, enfim nua, da arte.”
“A modernidade poética ou literária seria a exploração dos poderes de uma linguagem desviada do seu uso comunicacional.”
“A modernidade pictural seria o retorno da pintura”
“A modernidade musical se identificaria a linguagem de doze sons, livre de toda analogia com a linguagem expressiva.”
“O que se chama “crise da arte” é essencialmente a derrota desse paradigma modernista simples, cada vez mais afastado das misturas de gênero e de suportes, como das polivalências políticas das formas contemporâneas das artes.”

Página 39
“Na base dessa identificação está uma interpretação específica da contradição matricial da “forma” estética.”
“ É esse modo específico de habitação do mundo sensível que deve ser desenvolvido pela “educação estética” para formas homens capazes de viver uma comunidade política livre.”
“Sobre essa base, construiu-se a ideia da modernidade como tempo dedicado à realização sensível de uma humanidade ainda latente do homem.”

Página 40
“Foi assim que o “estado estético” schilleriano tornou-se o “programa estético” do romantismo alemão.”
“E foi esse paradigma de autonomia estética que se tornou o novo paradigma da revolução, e permitiu ulteriormente o breve, mas decisivo, encontro dos artesãos da revolução marxista e dos artesãos das formas da nova vida.”
“O surrealismo e a Escola de Frankfurt foram os principais vetores dessa contramodernidade.”
“No segundo tempo, a falência da revolução política foi pensada como falência de seu modelo ontológico-estético.”
“O que se chama de pós-modernismo é propriamente o processo dessa reviravolta.”

Página 41
“O modelo teleológico da modernidade tornou-se insustentável, ao mesmo tempo que suas distinções entre os “próprios” das diferentes artes, ou a sepreção de um domínio puro da arte.”
“O pós-modernismo, num certo sentido, foi apenas o nome com o qual certos artistas e pensadores tornaram consciência do que tinha sido a modernidade.”

Página 42
“Muito rapidamente, a alegre licença pós-moderna, sua exaltação do carnal dos simulacros, mestiçagem e hibridações de todos os tipos, transformou-se em constestação dessa lierdade ou autonomia que o princípio modernitário dava ou teria dado à artea missão de cumprir.”
“A reviravolta pós-moderna teve como base teórica a análise feita por Lyotard do sublime Kantiano, reinterpretado como cena de uma distância fundadora entre a ideia e toda representação sensível.”

Página 43
“O pós-modernimo tornou-se então a grande nênia do irrepresentável/intratável/irrecobrável, denunciando a loucura moderna da ideia de uma autoemancipação da humanidade do homem e sua inevitável e interminável conclusão nos campos de extermínio.”
“A noção de vanguarda define o tipo de tema que convém à visão modernista e próprio a conectar, segundo essa visão, o estético e o político.”
“E há essa outra ideia de vanguarda que se enraíza na antecipação estética do futuro, segundo o modelo shcilleriano. Se o conceito de vanguarda tem um sentido no regime estético das artes, é desse lado que se deve encontra-lo: não do lado dos destacamentos avançados da novidade artística, mas do lado da invenção de formas sensíveis e dos limites matérias de uma vida por vir.”

Página 44
“É isso que a vanguarda “estética” trouxe à vanguarda “política”, ou que ela quis ou acreditou lhe trazer, transformando a política em programa total de vida.”
“Não é que, segundo a doxa contemporânea, as pretensões dos artistas a uma revolução total do sensível tenham preparado o terreno para o totalitarismo.”
“Trata-se porém, do fato de que a própria ideia de vanguarda politica está dividida entre a concepção estratégica e a concepção estética de vanguarda.”

Capítulo 3, Das artes mecânicas e da promoção estética e científica dos anônimos.

Página 45
“Em primeiro lugar, talvez exista um equívoco a ser esclarecido quanto à noção de “artes mecânicas”, Aproximei um paradigma científico de um paradigma estético.”
“As artes mecânicas induziriam, enquanto artes mecânicas, uma modificação de paradigma artístico e uma nova relação da arte com seus temas.”

Página 46
“Essa proposição remete a uma das teses mestras do modernismo: a que vincula a diferença das artes à diferença de suas condições técnicas ou de seu suporte ou médium específico.”
“Esse vínculo entre o estético e o onto-tecnológico teve o destino comum das categorias modernistas.”
“Com a reviravolta dita “pós-moderna”,ele acompanha o retorno ao ícone, aquele que faz do véu de Verônica a essência da pintura, cinema ou fotografia.”
“Para que as artes mecânicas possam dar visibilidade às massas ou, antes, ao indivíduo anônimo, precisam primeiro ser reconhecidas como artes.”
“O mesmo princípio, portanto, confere visibilidade a qualquer um e faz com que a fotografia e o cinema possam ser artes.”

Página 47
“O regime estético das artes é, antes de tudo a ruina do sistema da representação, isto é, de um sistema em que a dignidade dos temas comandava a hierarquia dos gêneros da representação ( tragédia para os nobres, comédia para a plebe; pintura de história contra pintura de gênero etc.”
“O regime estético das artes desfaz essa correlação entre tema e modo de representação.”
“Tal revolução acontece primeiro na literatura.”

Página 48
“A fotografia não se constituiu como arte em razão de sua natureza técnica.”
“Não foi imitando as maneiras da arte que a fotografia tornou-se arte.”
“A revolução técnica vem depois da revolução estética. Mas a revolução estética é antes de tudo a glória de qualquer um.”

Página 49
“Não foram o cinema e a fotografia que determinaram os temas e os modos de focalização da “nova história”. São a nova ciência histórica e as artes da reprodução mecânica que se inscrevem na mesma lógica da revolução estética.”
“Não se trata apenas de compreender que a ciência histórica tem uma pré-história literária. A própria literatura se constitui como uma determinada sintomatologia da sociedade e contrapõe essa sintomatologia aos gritos e ficções da cena pública.”

Página 50
“O surgimento das massas na cena da história ou nas “novas” imagens não significa o vínculo entre a era das massas e a era da ciência e da técnica. Mas sim a lógica estética de um modo de visibilidade que, por um lado, revoga as escalas de grandeza da tradição representativa.”
“O conhecimento histórico é herdeiro disso. Mas ele separa a condição de seu novo objeto de sua origem literária e da política da literatura em que se inscreve.”
“É preciso extirpar a mercadoria de sua aparência trivial, transformá-la em objeto fantasmagórico, para que nela seja lida a expressão das contradições de uma sociedade.”

Capítulo 4, Se é preciso concluir que a história é ficção. Dos modos da ficção

Página 52
“Há dois problemas ai, alguns costumam confundi-los para melhor construir o fantasma de uma realidade histórica que seria feita apenas de “ficções”.”
“O primeiro problema concerne à relação entre o agente histórico com o ser falante.”
“O segundo, concerne à ideia de ficção e a relação entre a racionalidade ficcional e os modos de explicação da realidade histórica e social.”

Página 53
“Começar pelo segundo, a “positividade” da ficção analisada no texto a que você se refere. Essa positividade implica, por si esma, uma dupla questão: a questão geral da racionalidade da ficção, isto é, da distinção entre ficção e falsidade, e a questão da distinção ou indistinção entre os modos de inteligibilidade apropriados à construção de histórias e aquelas que servem a inteligência dos fenômenos históricos.”
“ Fingir não é propor engodos, porém elaborar estrutura inteligíveis.”

Página 54
“Outra consequência tirada por Aristóteles é a superioridade da poesia, que confere uma lógica causal a uma ordenação de acontecimentos, sobre a história, condenada a apresentar os acontecimentos segundo a desordem empírica deles.”
“A revolução estética redistribui o jogo tornando solidária duas coisas: a indefinição das fronteiras entre a razão dos fatos e a razão das ficções e o novo modo de racionalidade da ciência histórica.”

Página 55
“É a circulação nessa paisagem de signos que define a nova ficcionalidade: a nova maneira de contar histórias , que é, antes de mais nada, uma maneira de dar sentido ao universo “empírico” das ações obscuras e dos objetos banais.”
“É a identificação dos modos de construção ficcional aos modos de uma leitura dos signos escritos na configuração de um lugar, um grupo, um muro, uma roupa, um rosto.”
“A soberania estética da literatura não é, portanto, o reina da ficção. É, ao contrário, um regime de indistinção tendencial entre a razão das ordenações descritivas e narrativas da ficção e as ordenações da descrição e interpretação dos fenômenos do mundo histórico e social.”

Página 56
“Quando faz de Cuvier o verdadeiro poeta que reconstitui todo um mundo a partir de um fóssil, estabelece um regime de equivalência entre os signos do novo romance e os signos da descrição ou da interpretação dos fenômenos de uma civilização.”
“Assim se encontra revogada a linha divisória aristotélica entre duas “histórias” a dos historiadores e a dos poetas, a qual não se separava somente a realidade e a ficção mas também a sucessão empírica e a necessidade construída.”

Página 57
“A revolução estética transforma radicalmente as coisas: o testemunho e a ficção pertencem a um mesmo regime de sentimento.”
“De um lado, o “empírico” traz as marcas do verdadeiro sob a forma de rastros e vestígios.”
“Essa articulação passou da literatura para a nova arte da narrativa: o cinema.”
“E o cinema documentário, o cinema que se dedica ao “real” é, nesse sentido, capaz de uma invenção ficcional mais forte que o cinema de “ficção”, que se dedica facilmente a certa estereotipia das ações e dos tipos característicos.”

Página 58
“Essa proposição deve ser distinguida de todo discurso, positivo ou negativo, segundo o qual tudo seria “narrativa”, com alternâncias entre “grandes” e “pequenas” narrativas.”
“Não se trata de dizer que tudo é ficção. Trata-se de constatar que a ficção da era estética definiu modelos de conexão entre apresentação dos fatos e formas de inteligibilidade que tornam indefinida a fronteira entre razão dos fatos e razão da ficção, e que esses modos de conexão foram retomados pelos historiadores e analistas da realidade social.”

Página 59
“Não se trata pois de dizer que a “História” é feita apenas das histórias que nós nos contamos, mas simplesmente que a “razão das histórias” e as capacidades de agir como agentes históricos andam juntas.”
“O homem é um animal político porque é um animal literário, que se deixa desviar e sua destinação “natural” pelo poder das palavras.”

Página 60
“Em resumo, desses sujeitos políticos que recolocam em causa a partilha já dada do sensível.”
“Mas precisamente um coletivo político não é um organismo ou um corpo comunitário.”

Página 61
“As vias da subjetivação política não são as da identificação imaginária, mas as da desincorporação “literária”.”
“A utopia é o não-lugar, o ponto extremo de uma reconfiguração polêmica do sensível, que rompe com as categorias da evidência.”
“As utopias e os socialismos utópicos funcionaram com base nessa ambiguidade:por um lado, como revogação das evidências sensivis nas quais se enraíza a normalidade da dominação;”

Página 62
“O que os engenheiros saint-simonianos propunham era um novo corpo real da comunidade, no qual as vias fluviais e os trilhos traçados no chão tomariam o lugar das ilusões da palavra e do papel.”
“O que os operários fazem não é opor a prática à utopia, mas devolver a esta última seu caráter de “irrealidade’.”
“As “ficções” da arte e da política são, portanto, heterotopias mais do que utopias.”

Capítulo 5, Da arte e do trabalho. Em quê as práticas da arte constituem e não constituem uma exceção às outras práticas.

Página 63
“Pela noção de “fábrica do sensível”, pode-se entender primeiramente a constituição de um mundo sensível.”
“Mas a ideia de “partilha do sensível” implica algo mais.”
“Um mundo “comum” não é nunca simplesmente o ethos.”

Página 64
“A ideia do trabalho não é a de uma atividade determinada ou a de um processo de transformação 
material. É a ideia de uma partilha do sensível: uma impossibilidade de fazer “outra coisa”, fundada na “ ausência de tempo”.”
“O mais importante talvez seja o correlato: o fazedor de mimesis confere ao princípio “privado” do trabalho um cena pública.”
“Ele constitui uma cena do comum com o que deveria determinar o confinamento de casa um ao seu lugar.”

Página 65
“É nessa re-partilha do sensível que consiste sua nocividade, mais ainda do que no perigo dos simulacros que amolecem as almas.”
“O princípio de ficção que rege o regime representativo da arte é uma maneira de estabilizar a exceção artística.”
“O regime estético das artes transforma radicalmente essa repartição dos espaços.”

Página 66
“Coloca também em causa o estatuto neutralizado do tekhne, a ideia da técnica como imposição de uma forma de pensamento a uma matéria inerte.”
techné: Uma Palavra grega que significa arte campestre. Também é conhecido como método de realização de objetivos

Página 67

“O romantismo proclama o devir-sensível de todo pensamento e o devir-pensamento de toda materialidade sensível como o objetivo mesmo da atividade do pensamento em geral.”
“Fabricar queria dizer habitar o espaço-tempo privado e obscuro do trabalho alimentício. Produzir une ao ato de fabricar o de tornar visível, define uma nova relação entre o fazer e o ver.”
“E é esse programa inicial que funda o pensamento e a prática das “vanguardas” dos anos 1920: suprimir a arte enquanto atividade separada, devolvê-la ao trabalho, isto é, à vida elabora seu próprio sentido.”

Página 68
“Não pretendo dizer com isso que a valorização moderna do trabalho seja somente o efeito do novo modo de pensamento da arte.”
“É preciso sair do esquema preguiçoso e absurdo que opõe o culto estético da arte pela arte à potencia ascendente do trabalho operário.”
“O culto da arte supõe uma revalorização das capacidades ligadas à própria ideia de trabalho.”

Página 69

“Qualquer que seja a especificidade dos circuitos econômicos nos quais se inserem, as práticas artísticas não constituem “uma exceção” às outras práticas. Elas representam e reconfiguram as partilhas dessas atividades.”

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