Universidade Federal
Do Sul Da Bahia- UFSB
CC: Experiência do
Sensível
Docente: Isaac
Reis
Discente: Romeu
Luiz
Fichamento do livro
“Partilha do Sensível” de RANCIÈRE,
Jacques.
Jacques Rancière (Argel, 1940) é um filósofo francês, professor da European Graduate School de Saas-Fee e professor emérito da Universidade de Paris.
Capítulo 1, Da partilha do sensível e das ralações que
estabelece entre politica e estética.
Página 15
“Denomino partilha do sensível o sistema
de evidência sensível que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e
dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas.”
“Um comum partilhado e partes exclusiva.”
Página 16
“O cidadão, diz Aristóteles, é quem toma
parte no fato de governar e ser governado.”
“O animal falante, diz Aristóteles, é um
animal político. Mas o escravo, se compreende a linguagem não a “possui”. Os
artesão, diz Platão, não podem participar das coisas comuns porque eles não tem
tempo para se dedicar a outra coisa que não seja o seu trabalho.”
“A partilha do sensível faz ver quem
pode tomar parte no comum em função daquilo que faz do tempo e do espaço em que
atividade se exerce.”
“Ter esta ou aquela “ocupação” define
competências ou incompetências para o comum.”
“Existe portanto, na base da política,
uma “estética” que não tem nada a ver com a “estetização da política” própria à
“era das massas”.
“É um recorte do tempo e dos espaços, do
visível e do invisível, das palavras e do ruído que define ao mesmo tempo o
lugar e o que está em jogo na política como forma de experiência.”
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“É a partir dessa estética primeira que
se pode colocar a questão das “praticas estéticas”.”
“As práticas estéticas são “maneiras de
fazer” que intervêm na distribuição geral das maneiras de fazer e nas suas
relações com maneiras de ser e formas de visibilidade.”
“Do ponto de vista Platônico, a cena do
teatro, que é simultaneamente espaço de uma atividade pública e lugar de
exibição dos “fantasmas”, embaralha a partilha das identidades, atividades e
espaços.”
“O mesmo ocorre com a escrita, circulando
por toda parte, sem saber a quem deve ou não falar.”
“A escrita destrói todo fundamento
legitimo da circulação da palavra.”
“Platão destaca dois grandes modelos,
duas grandes formas de existência e de efetividade sensível da palavra: o
teatro e a escrita.”
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“Esse regime estético da política é
propriamente a democracia, o regime das assembleias de artesãos, das leis
escritas intangíveis e da instituição teatral.”
“Platão destaca três maneiras a partir
das quais práticas da palavra e do corpo propõem figuras de comunidade.”
“Identifica a superfície dos signos
mudos: superfície dos signos que são, diz ele, como pinturas. E o espaço do
movimento dos corpos que se divide por sua vez em dois modelos antagônicos.”
“O movimento dos simulacros da cena, De
outro, o movimento autêntico, o movimento próprio dos corpos comunitários.”
“Essas formas definem a maneira como
obras ou performances “fazem política”, quaisquer que sejam as intenções que as
reagem, os tipos de inserção social dos artistas ou o modo como as formas
artísticas refletem estruturas ou movimentos sociais.”
Página 20
“Uma politicidade sensível é assim, de saída
atribuída às grandes formas de partilha estética como o teatro, a página ou o
coro.”
“Repropõem seus serviços em épocas e
contextos muito diferentes.”
Página 21
“O discurso apresenta a revolução
pictural abstrata como a descoberta pela pintura de seu “médium” próprio: a superfície
bidimensional.”
“Escrita e pintura eram para Platão superfícies
equivalentes de signos mudos, privados do sopro que anima e transporta a
palavra viva.”
“O plano, nessa lógica, não se opõe ao
profundo, no sentido do tridimensional. Ele se opõe ao “vivo”.”
Página 22
“É esta relação que está em questão na
pretensa distinção do bidimensional e do tridimensional como “próprios” a esta
ou aquela arte.”
“É na superfície plana da pagina, na
mudança de função das “imagens” da literatura ou na mudança do discurso sobre o
quadro, mas também nos entrelaces da tipografia, do cartaz e das artes
decorativas, que se prepara uma boa parte da “revolução antirrepresentativa” da
pintura.”
“Sua planaridade tem ligação com a da
pagina, do cartaz ou da tapeçaria é um interface.”
“E sua “pureza” antirrepresentativa inscreve-se
num contexto de entrelaçamento da arte pura e da arte aplicada, que lhe confere
de saída uma significação política.”
Página 23
“E não é um ideal teatral do novo homem
que sela a aliança momentânea etre politicas e artistas revolucionários.”
“É, antes, na interface criada entre
“suportes” diferentes, nos laços tecidos entre o poema e sua tipografia ou
ilustração, entre teatro e seus decoradores ou grafistas, entre o objeto
decorativo e o poema, que se forma essa “novidade” que vai ligar o artista, que
abole a figuração, ao revolucionário, inventor da vida novo.”
“Essa interface é politica porque revoga
a dupla politica inerente a logica representativa.”
“Por outro, sua organização hierárquica,
particularmente o primado da palavra/ação viva sobre a imagem pintada, era
análogo à ordem político-social.”
“É assim que o “plano” da superfície dos
signos pintados, essa forma de partilha igualitária do sensível estigmatizada
por Platão, intervém ao mesmo tempo com principio da revolução “formal de uma
arte e principio de re-partição politica da experiência comum.”
Página 24
“Do mesmo modo se poderia refletir sobre
outras grandes formas, a do coro e a do teatro.”
“Uma história política estética,
entendida nesse sentido, deve levar em conta a maneira como essas grandes
formas se opõem ou se confudem,”
“A política ai se representa como
relação entre a cena e a sala, significação do corpo do ator, jogos da
proximidade ou da distância.”
“Tomemos o exemplo da cena trágica. Para
Platão, ela é portadora da síndrome democrática ao mesmo tempo que do poder da
ilusão.”
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“Aristóteles, mesmo que não se tenha
proposto a isso, redefine sua politicidade. E, no sistema clássico da
representação, a cena trágica será a cena de visibilidade de um mundo em ordem,
governado pela hierarquia dos temas e a adaptação, a esta hierarquia, das
situações e maneiras de falar.”
Página 26
“O importante é ser neste nível, do
recorte sensível do comum da comunidade, das formas de sua visibilidade e de
sua disposição, que se coloca a questão da relação estética/política.”
“A partir daí pode-se pensar as
intervenções políticas dos artistas, desde as formas literárias românticas do
deciframento da sociedade até os modos contemporâneos da performance e da
instalação.”
“É a autonomia de que podem gozar ou a
subversão que podem se atribuir repousam sobre a mesma base.”
Capítulo 2-Dos regimes da arte e do pouco interesse da noção
de modernidade
Página 27
“Não creio que as noções de modernidade
e de vanguarda tenham sido bastante esclarecedoras para se pensar as novas
formas de arte desde o século passado, nem as relações estético com o
político.”
“Uma coisa é a historicidade própria a
um regime das artes em geral. Outra, são as decisões de ruptura ou antecipação
que se operam no interior desse regime.”
Página 28
“Uma digressão se impõe aqui para
esclarecer essa noção e situar o problema. No que diz respeito ao que chamamos
arte, pode-se com efeito distinguir, na tradição ocidental, três grandes
regimes de identificação.”
“Primeiro lugar, há o que proponho
chamar um regime ético das imagens. Neste regime, “a arte”não é identificada
enquanto tal, mas se encontra subsumida na questão das imagens.”
“Há um tipo de seres, as imagens, que é
objeto de uma dupla questão: quanto à sua origem e, por conseguinte, ao seu
teor de verdade; e quanto ao seu destino: os usos que têm e os efeitos que
induzem.”
“Para Platão, a arte não existe, apenas
existem artes, maneiras de fazer.”
“E é entre elas que ele traça a linha
divisória: existem artes verdadeiras, isto é, saberes fundados na imitação de
um modelo com fins definidos, e simulacros de arte que imitam simples
aparências."
Página 29
“Trata-se nesse regime, de saber no que
o modo de ser das imagens, concerne ao ethos, à maneira de ser dos indivíduos e
das coletividades, E essa questão impede a “arte” de se individualizar enquanto
tal.”
ETHOS: costumes de um povo,
cultura
Página 30
“Do regime ético das imagens se separa o
regime poético, ou representativo das artes. Este identifica o fato da arte ou
antes, das artes.”
“O princípio mimético, no fundo, não é
um princípio normativo que diz que a arte deve faer cópias parecidas com seus
modelos. É, antes, um principio pragmático que isola, no domínio geral das
artes.”
“Nisto consiste a grande operação
efetuada pela elaboração aristotélica da mímesis e pelo privilégio dado à ação
trágica.”
Página 31
“O princípio de delimitação externa de
um domínio consistente de imitações é, portanto, ao mesmo tempo, um princípio
normativo de inclusão.”
“Denomino esse regime poético no sentido
em que identifica as artes que a idade clássica chamará de “belas-artes” no
interior de uma classificação de maneiras de fazer, e consequentemente define
maneiras de fazer e de apreciar imitações benfeitas.”
“Não é um procedimento artístico, mas um
regime de visibilidade das artes.”
Página 32
“A esse regime representativo,
contrapõe-se o regime das artes que denomino estético. Estético, porque a
identificação da arte, nele, não se faz mais por uma distinção no interior das
maneiras de fazer, mas pela distinção de um modo de ser sensível próprio aos
produtos de arte.”
“No regime estético das artes, as coisas
da arte são identificadas por pertencerem a um regime específico do sensível.”
“Esse sensível, subtraído a suas
conexões ordinárias, é habitado por uma potência heterogênea, a potência de uma
pensamento que se tornou ele próprio estranho a si mesmo: produto idêntico ao
não-produto.”
Página 33
“Essa ideia de um sensível tornado
estranho a si mesmo, sede de um pensamento que tornou ele próprio estranho a si
mesmo, é o núcleo invariável das identificações da arte que configuram
originalmente o pensamento estético.”
“Ele percorre igualmente as auto
definições das artes próprias â idade moderna: ideia proustiana do livro
inteiramente calculado e absolutamente subtraído à vontade.”
“É preciso, porém assinalar o cerne do
problema. O regime estético das artes é aquele que propriamente identifica a
arte no singular e desobriga essa arte de toda e qualquer regra especifica, de
toda hierarquia de temas, gêneros e artes.”
Página 34
“Ele afirma a absoluta singularidade da
arte e destrói ao mesmo tempo todo critério pragmático dessa singularidade.
Funda, a uma só vez, a autonomia da arte e a identidade de suas formas com as
formas pelas quais a vida se forma a si mesma.”
“ O estado estético shilleriano, que e o
primeiro, e em certo sentido, inultrapassável, manifesto desse regime, marca
bem essa identidade fundamental dos contrários.”
“Em suas diferentes versões,
“modernidade” é o conceito que se empenha em ocultara especificidade desse
regime das artes e o próprio sentido da especificidade dos regimes da arte.”
Página 35
“Quando os arautos dessa modernidade
viram os lugares onde se exibia este bem comportado destino da modernidade
invadidos por toda espécie de objetos, máquinas e dispositivos não
identificados, começaram a denunciar a “tradição do novo”, uma vontade de
inovação que reduziria a modernidade artística ao vazio de sua
autoproclamação.”
“O pulo para fora do mimesis não é em
absoluto uma recusa da figuração.”
“O regime estético das artes não opõe o
antigo e o moderno. Opõe, mais profundamente, dois regimes de historicidade. É
no interior do regime mimético que o antigo se opõe ao moderno.”
“No regime estético da arte, o futuro da
arte, sua distância do presente da não arte, não cessa de colocar em cena o
passado.”
Página 36
“Aqueles que exaltam ou denunciam a
“tradição do novo” de fato esquecem que esta tem por exato complemento a
“novidade da tradição”. O regime estético das artes não começou com a decisões
de ruptura artística.”
“O regime estético das artes é antes de
tudo um novo regime da relação com o antigo.”
Página 37
“Quando os futuristas ou os
construtivistas proclamam o fim da arte e a identificação de suas praticas
àqueles que edificam, ritmam ou decoram os espaços e tempos da vida em comum,
eles propõem um fim da arte como identificação com a vida da comunidade, que é
tributária da releitura shcilleriana e romântica da arte grega como modo de
vida de uma comunidade.”
“A ideia de modernidade é um noção equivoca
que gostaria de produzir um corte na configuração complexa do regime estético
das artes, reter as formas de ruptura, os gestos iconoclastas etc,.”
“A noção de modernidade parece, assim,
como inventada de propósito para confundir a inteligência das transformações da
arte e de suas relações com as outras esferas da experiência coletiva.”
Página 38
“Deduzam-se as duas grandes variantes do
discurso sobre a “modernidade”. A primeira quer uma modernidade simplesmente
identificada à autonomia da arte, uma revolução “antimimética” da arte idêntica
à conquista da forma pura, enfim nua, da arte.”
“A modernidade poética ou literária
seria a exploração dos poderes de uma linguagem desviada do seu uso
comunicacional.”
“A modernidade pictural seria o retorno
da pintura”
“A modernidade musical se identificaria
a linguagem de doze sons, livre de toda analogia com a linguagem expressiva.”
“O que se chama “crise da arte” é
essencialmente a derrota desse paradigma modernista simples, cada vez mais
afastado das misturas de gênero e de suportes, como das polivalências políticas
das formas contemporâneas das artes.”
Página 39
“Na base dessa identificação está uma
interpretação específica da contradição matricial da “forma” estética.”
“ É esse modo específico de habitação do
mundo sensível que deve ser desenvolvido pela “educação estética” para formas
homens capazes de viver uma comunidade política livre.”
“Sobre essa base, construiu-se a ideia
da modernidade como tempo dedicado à realização sensível de uma humanidade
ainda latente do homem.”
Página 40
“Foi assim que o “estado estético”
schilleriano tornou-se o “programa estético” do romantismo alemão.”
“E foi esse paradigma de autonomia
estética que se tornou o novo paradigma da revolução, e permitiu ulteriormente
o breve, mas decisivo, encontro dos artesãos da revolução marxista e dos
artesãos das formas da nova vida.”
“O surrealismo e a Escola de Frankfurt
foram os principais vetores dessa contramodernidade.”
“No segundo tempo, a falência da
revolução política foi pensada como falência de seu modelo
ontológico-estético.”
“O que se chama de pós-modernismo é
propriamente o processo dessa reviravolta.”
Página 41
“O modelo teleológico da modernidade
tornou-se insustentável, ao mesmo tempo que suas distinções entre os “próprios”
das diferentes artes, ou a sepreção de um domínio puro da arte.”
“O pós-modernismo, num certo sentido,
foi apenas o nome com o qual certos artistas e pensadores tornaram consciência
do que tinha sido a modernidade.”
Página 42
“Muito rapidamente, a alegre licença
pós-moderna, sua exaltação do carnal dos simulacros, mestiçagem e hibridações
de todos os tipos, transformou-se em constestação dessa lierdade ou autonomia
que o princípio modernitário dava ou teria dado à artea missão de cumprir.”
“A reviravolta pós-moderna teve como
base teórica a análise feita por Lyotard do sublime Kantiano, reinterpretado
como cena de uma distância fundadora entre a ideia e toda representação
sensível.”
Página 43
“O pós-modernimo tornou-se então a
grande nênia do irrepresentável/intratável/irrecobrável, denunciando a loucura
moderna da ideia de uma autoemancipação da humanidade do homem e sua inevitável
e interminável conclusão nos campos de extermínio.”
“A noção de vanguarda define o tipo de
tema que convém à visão modernista e próprio a conectar, segundo essa visão, o
estético e o político.”
“E há essa outra ideia de vanguarda que
se enraíza na antecipação estética do futuro, segundo o modelo shcilleriano. Se
o conceito de vanguarda tem um sentido no regime estético das artes, é desse
lado que se deve encontra-lo: não do lado dos destacamentos avançados da
novidade artística, mas do lado da invenção de formas sensíveis e dos limites
matérias de uma vida por vir.”
Página 44
“É isso que a vanguarda “estética”
trouxe à vanguarda “política”, ou que ela quis ou acreditou lhe trazer,
transformando a política em programa total de vida.”
“Não é que, segundo a doxa
contemporânea, as pretensões dos artistas a uma revolução total do sensível
tenham preparado o terreno para o totalitarismo.”
“Trata-se porém, do fato de que a
própria ideia de vanguarda politica está dividida entre a concepção estratégica
e a concepção estética de vanguarda.”
Capítulo 3, Das artes mecânicas e da promoção estética e
científica dos anônimos.
Página 45
“Em primeiro lugar, talvez exista um
equívoco a ser esclarecido quanto à noção de “artes mecânicas”, Aproximei um
paradigma científico de um paradigma estético.”
“As artes mecânicas induziriam, enquanto
artes mecânicas, uma modificação de paradigma artístico e uma nova relação da
arte com seus temas.”
Página 46
“Essa proposição remete a uma das teses
mestras do modernismo: a que vincula a diferença das artes à diferença de suas
condições técnicas ou de seu suporte ou médium específico.”
“Esse vínculo entre o estético e o
onto-tecnológico teve o destino comum das categorias modernistas.”
“Com a reviravolta dita
“pós-moderna”,ele acompanha o retorno ao ícone, aquele que faz do véu de
Verônica a essência da pintura, cinema ou fotografia.”
“Para que as artes mecânicas possam dar
visibilidade às massas ou, antes, ao indivíduo anônimo, precisam primeiro ser
reconhecidas como artes.”
“O mesmo princípio, portanto, confere
visibilidade a qualquer um e faz com que a fotografia e o cinema possam ser
artes.”
Página 47
“O regime estético das artes é, antes de
tudo a ruina do sistema da representação, isto é, de um sistema em que a
dignidade dos temas comandava a hierarquia dos gêneros da representação (
tragédia para os nobres, comédia para a plebe; pintura de história contra pintura
de gênero etc.”
“O regime estético das artes desfaz essa
correlação entre tema e modo de representação.”
“Tal revolução acontece primeiro na
literatura.”
Página 48
“A fotografia não se constituiu como
arte em razão de sua natureza técnica.”
“Não foi imitando as maneiras da arte
que a fotografia tornou-se arte.”
“A revolução técnica vem depois da
revolução estética. Mas a revolução estética é antes de tudo a glória de
qualquer um.”
Página 49
“Não foram o cinema e a fotografia que
determinaram os temas e os modos de focalização da “nova história”. São a nova
ciência histórica e as artes da reprodução mecânica que se inscrevem na mesma
lógica da revolução estética.”
“Não se trata apenas de compreender que
a ciência histórica tem uma pré-história literária. A própria literatura se
constitui como uma determinada sintomatologia da sociedade e contrapõe essa
sintomatologia aos gritos e ficções da cena pública.”
Página 50
“O surgimento das massas na cena da
história ou nas “novas” imagens não significa o vínculo entre a era das massas
e a era da ciência e da técnica. Mas sim a lógica estética de um modo de
visibilidade que, por um lado, revoga as escalas de grandeza da tradição
representativa.”
“O conhecimento histórico é herdeiro
disso. Mas ele separa a condição de seu novo objeto de sua origem literária e
da política da literatura em que se inscreve.”
“É preciso extirpar a mercadoria de sua
aparência trivial, transformá-la em objeto fantasmagórico, para que nela seja
lida a expressão das contradições de uma sociedade.”
Capítulo 4, Se é preciso concluir que a história é ficção.
Dos modos da ficção
Página 52
“Há dois problemas ai, alguns costumam
confundi-los para melhor construir o fantasma de uma realidade histórica que
seria feita apenas de “ficções”.”
“O primeiro problema concerne à relação
entre o agente histórico com o ser falante.”
“O segundo, concerne à ideia de ficção e
a relação entre a racionalidade ficcional e os modos de explicação da realidade
histórica e social.”
Página 53
“Começar pelo segundo, a “positividade”
da ficção analisada no texto a que você se refere. Essa positividade implica,
por si esma, uma dupla questão: a questão geral da racionalidade da ficção,
isto é, da distinção entre ficção e falsidade, e a questão da distinção ou
indistinção entre os modos de inteligibilidade apropriados à construção de
histórias e aquelas que servem a inteligência dos fenômenos históricos.”
“ Fingir não é propor engodos, porém
elaborar estrutura inteligíveis.”
Página 54
“Outra consequência tirada por
Aristóteles é a superioridade da poesia, que confere uma lógica causal a uma
ordenação de acontecimentos, sobre a história, condenada a apresentar os
acontecimentos segundo a desordem empírica deles.”
“A revolução estética redistribui o jogo
tornando solidária duas coisas: a indefinição das fronteiras entre a razão dos
fatos e a razão das ficções e o novo modo de racionalidade da ciência
histórica.”
Página 55
“É a circulação nessa paisagem de signos
que define a nova ficcionalidade: a nova maneira de contar histórias , que é,
antes de mais nada, uma maneira de dar sentido ao universo “empírico” das ações
obscuras e dos objetos banais.”
“É a identificação dos modos de
construção ficcional aos modos de uma leitura dos signos escritos na configuração
de um lugar, um grupo, um muro, uma roupa, um rosto.”
“A soberania estética da literatura não
é, portanto, o reina da ficção. É, ao contrário, um regime de indistinção
tendencial entre a razão das ordenações descritivas e narrativas da ficção e as
ordenações da descrição e interpretação dos fenômenos do mundo histórico e
social.”
Página 56
“Quando faz de Cuvier o verdadeiro poeta
que reconstitui todo um mundo a partir de um fóssil, estabelece um regime de equivalência
entre os signos do novo romance e os signos da descrição ou da interpretação
dos fenômenos de uma civilização.”
“Assim se encontra revogada a linha
divisória aristotélica entre duas “histórias” a dos historiadores e a dos
poetas, a qual não se separava somente a realidade e a ficção mas também a
sucessão empírica e a necessidade construída.”
Página 57
“A revolução estética transforma
radicalmente as coisas: o testemunho e a ficção pertencem a um mesmo regime de
sentimento.”
“De um lado, o “empírico” traz as marcas
do verdadeiro sob a forma de rastros e vestígios.”
“Essa articulação passou da literatura
para a nova arte da narrativa: o cinema.”
“E o cinema documentário, o cinema que
se dedica ao “real” é, nesse sentido, capaz de uma invenção ficcional mais
forte que o cinema de “ficção”, que se dedica facilmente a certa estereotipia
das ações e dos tipos característicos.”
Página 58
“Essa proposição deve ser distinguida de
todo discurso, positivo ou negativo, segundo o qual tudo seria “narrativa”, com
alternâncias entre “grandes” e “pequenas” narrativas.”
“Não se trata de dizer que tudo é
ficção. Trata-se de constatar que a ficção da era estética definiu modelos de
conexão entre apresentação dos fatos e formas de inteligibilidade que tornam
indefinida a fronteira entre razão dos fatos e razão da ficção, e que esses
modos de conexão foram retomados pelos historiadores e analistas da realidade
social.”
Página 59
“Não se trata pois de dizer que a “História”
é feita apenas das histórias que nós nos contamos, mas simplesmente que a “razão
das histórias” e as capacidades de agir como agentes históricos andam juntas.”
“O homem é um animal político porque é
um animal literário, que se deixa desviar e sua destinação “natural” pelo poder
das palavras.”
Página 60
“Em resumo, desses sujeitos políticos
que recolocam em causa a partilha já dada do sensível.”
“Mas precisamente um coletivo político
não é um organismo ou um corpo comunitário.”
Página 61
“As vias da subjetivação política não
são as da identificação imaginária, mas as da desincorporação “literária”.”
“A utopia é o não-lugar, o ponto extremo
de uma reconfiguração polêmica do sensível, que rompe com as categorias da
evidência.”
“As utopias e os socialismos utópicos
funcionaram com base nessa ambiguidade:por um lado, como revogação das
evidências sensivis nas quais se enraíza a normalidade da dominação;”
Página 62
“O que os engenheiros saint-simonianos
propunham era um novo corpo real da comunidade, no qual as vias fluviais e os
trilhos traçados no chão tomariam o lugar das ilusões da palavra e do papel.”
“O que os operários fazem não é opor a
prática à utopia, mas devolver a esta última seu caráter de “irrealidade’.”
“As “ficções” da arte e da política são,
portanto, heterotopias mais do que utopias.”
Capítulo 5, Da arte e do trabalho. Em quê as práticas da arte
constituem e não constituem uma exceção às outras práticas.
Página 63
“Pela noção de “fábrica do sensível”,
pode-se entender primeiramente a constituição de um mundo sensível.”
“Mas a ideia de “partilha do sensível”
implica algo mais.”
“Um mundo “comum” não é nunca
simplesmente o ethos.”
Página 64
“A ideia do trabalho não é a de uma
atividade determinada ou a de um processo de transformação
material. É a ideia de uma partilha do sensível: uma impossibilidade de fazer “outra coisa”, fundada na “ ausência de tempo”.”
material. É a ideia de uma partilha do sensível: uma impossibilidade de fazer “outra coisa”, fundada na “ ausência de tempo”.”
“O mais importante talvez seja o
correlato: o fazedor de mimesis confere ao princípio “privado” do trabalho um
cena pública.”
“Ele constitui uma cena do comum com o que
deveria determinar o confinamento de casa um ao seu lugar.”
Página 65
“É nessa re-partilha do sensível que
consiste sua nocividade, mais ainda do que no perigo dos simulacros que
amolecem as almas.”
“O princípio de ficção que rege o regime
representativo da arte é uma maneira de estabilizar a exceção artística.”
“O regime estético das artes transforma
radicalmente essa repartição dos espaços.”
Página 66
“Coloca também em causa o estatuto
neutralizado do tekhne, a ideia da técnica como imposição de uma forma de
pensamento a uma matéria inerte.”
techné: Uma Palavra grega que significa arte campestre.
Também é conhecido como método de realização de objetivos
Página 67
“O romantismo proclama o devir-sensível de todo pensamento e o devir-pensamento de toda materialidade sensível como o objetivo mesmo da atividade do pensamento em geral.”
“Fabricar queria dizer habitar o espaço-tempo
privado e obscuro do trabalho alimentício. Produzir une ao ato de fabricar o de
tornar visível, define uma nova relação entre o fazer e o ver.”
“E é esse programa inicial que funda o
pensamento e a prática das “vanguardas” dos anos 1920: suprimir a arte enquanto
atividade separada, devolvê-la ao trabalho, isto é, à vida elabora seu próprio
sentido.”
Página 68
“Não pretendo dizer com isso que a
valorização moderna do trabalho seja somente o efeito do novo modo de
pensamento da arte.”
“É preciso sair do esquema preguiçoso e
absurdo que opõe o culto estético da arte pela arte à potencia ascendente do
trabalho operário.”
“O culto da arte supõe uma revalorização
das capacidades ligadas à própria ideia de trabalho.”
Página 69
“Qualquer que seja a especificidade dos
circuitos econômicos nos quais se inserem, as práticas artísticas não
constituem “uma exceção” às outras práticas. Elas representam e reconfiguram as
partilhas dessas atividades.”
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